27° CIAED


 Olá Ciberespaço, 

No período de 20 a 24 de março de 2022 aconteceu em Fortaleza o 27° CIAED - Congresso Internacional ABED de Educação a Distância, organizado pela Associação Brasileira de Educação a Distância - ABED.

O evento voltou a ser realizado na modalidade presencial, após 2 anos online devido a pandemia da COVID-19, foram dias de intensos trabalhos, troca de conhecimento, com a presencia de profissionais da área da EaD reconhecimentos nacional e internacionalmente.

Neste ano apresentei um trabalho denominado "Narrativas Orais: da fala ao Podcast", o qual compartilho com todos, e deixo aqui o convite para no próximo ano também participarem deste evento de suma relevância para a EaD em nosso País.

INTRODUÇÃO

A narrativa oral é uma das formas de comunicação mais antigas que combina gestos e expressões com palavras faladas de uma pessoa para outra com o intuito de transmitir uma mensagem ou sentimento. Este tipo de narrativa está presente em nosso cotidiano até os dias atuais, e é fundamental para a nossa comunicação.

Com efeito, a narrativa oral é considerada o início do despertar do aprendizado na vida do indivíduo, principalmente nos primeiros anos de existência quando as crianças estão aprendendo a socializar.

Contudo, ao longo dos séculos as narrativas orais têm passado por transformações, sobretudo, relacionadas a popularização do rádio e de dispositivos digitais com internet. Desde modo, o objetivo deste artigo é traçar um percurso histórico das narrativas orais, da fala até com o podcast. Para isso, recorre-se a pesquisa bibliográfica (GIL, 2002).

 

NARRATIVAS ORAIS

 

Narrar é uma capacidade do ser humano. Narramos frequentemente fatos do cotidiano e compartilhamos tais experiências com os demais indivíduos. A narrativa oral se constitui pelo narrador e sua audiência. O narrador cria a história e o ouvinte capta a mensagem e cria imagens mentalmente a partir das palavras ouvidas. Portanto, as narrativas congregam aqueles que narram e os que ouvem, onde o narrador "escolhe o momento em que uma informação é dada e por meio de que canal isso é feito" (PELLEGRINI, 2003, p.  64).

Não há povo sem narrativas. Inicialmente, quando a sociedade não dominava a escrita, as narrativas orais eram a única forma de transmissão de conhecimento. Por isso, exigia-se o cultivo da memória do contador de históricas para assegurar a manutenção do núcleo da narrativa e evitar que houvesse modificações:

A narrativa está presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as sociedades; a narrativa começa com a própria história da humanidade; não há, nunca houve em lugar nenhum povo algum sem narrativa; todas as classes, todos os grupos humanos têm suas narrativas, muitas vezes essas narrativas são apreciadas em comum por homens de culturas diferentes, até mesmo opostas (...) a narrativa está sempre presente como a vida (BARTHES, 1976, p.103-104).

As narrativas orais permanecem ao longo do tempo, mas passam por reconfigurações na medida que surgem outras tecnologias que incorporam a oralidade.

 

NARRATIVAS ORAIS RADIOFÔNICAS

 

Inicialmente, o rádio não possuía o formato como conhecemos hoje, ele transmitia somente sinais. A transmissão de sons por ondas de radiofrequência emergiu como um desenvolvimento do telégrafo e do telefone “para atender as necessidades de comunicação ponto-a-ponto à distância” (MEDITSCH, 2001, p. 32). A primeira transmissão de voz por ondas eletromagnéticas é atribuída pela história oficial ao canadense Reggie Fasseden. Contudo, é questionado o pioneirismo de Marconi e Fasseden: “por evidências de que os mesmos experimentos já estavam sendo realizados com sucesso, em outros lugares” (MEDITSCH, 2001, p. 32).

Nos Estados Unidos, Nikola Tesla, um engenheiro croata, tinha feito transmissão sem fio de um sinal sonoro ainda em 1893. No Brasil, temos o padre gaúcho Roberto Landell de Moura, que nesse mesmo ano, quando estudava na Itália “teria demonstrado simultaneamente, em São Paulo, um telégrafo e um telefone sem fios, capazes de transmitir mensagens a oito quilômetros de distância” (MEDITSCH, 2001, p. 33).

Inicialmente, a transmissão sem fio foi considerada como uma forma de substituir a telegrafia por fios (BRIGGS, BURKE, 2004), sendo usada como uma técnica de comunicação nos oceanos (BRIGGS, BURKE, 2004; MEDITSCH, 2001). Contudo, ainda iria demorar alguns anos para o rádio ser concebido como um meio de comunicação de massa, o que só veio acontecer depois que esse dispositivo passou a entrar na casa das pessoas (MEDITSCH, 2001).

Foi em 1916, que esse aparelho foi constituído com meio de comunicação de massa por David Sarnoff, que trabalhava na Marconi Company. Em 1920, foi criada a primeira emissora de rádio oficialmente constituída, a KDKA, em Pittsburgh, nos Estados Unidos. No lançamento, a rádio transmitiu o resultado das eleições presidenciais norte-americanas por oito horas seguidas.

No Brasil, a primeira transmissão radiofônica ocorreu durante a Exposição do Centenário da Independência, no Rio de Janeiro, em 1922. No ano seguinte, no dia 20 de abril, foi implantada, por Roquette-Pinto, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. A emissora é apontada como a primeira do país. A época de ouro do rádio brasileiro iniciou na década de 1940 (ZUCULOTO, 2012).

Até quase os anos 1950, a utilização do aparelho se dava, principalmente, em casa. Logo, a função do rádio era ser um centro de lazer e entretenimento familiar. Realidade que muda com a tecnologia do transistor, apresentada por cientistas da Bell Telephone Laboratories, em 1947, que permitia que a fonte de alimentação do aparelho pudesse ser trocada por pilhas, conferindo-lhe maior mobilidade.

Sempre presente na vida das pessoas, com narrativas que emocionam os ouvintes, essa tecnologia é um meio de comunicação bastante presente na sociedade até os dias de hoje. Segundo Ortriwano (1985), o rádio é o meio de comunicação mais privilegiado devido suas características, as quais destacamos a linguagem oral, alcance imediato, baixo custo.

Com o processo de massificação do rádio, surgem narrativas específicas para este meio como as radionovelas. Elas surgiram na era de ‘ouro do rádio’, e foram fundamentais para a história do rádio no Brasil. As radionovelas são consideradas um tipo de drama radiofônico no formato de narrativa folhetinesca sonora, nascida da dramatização do gênero literário novela, produzida e divulgada nas rádios.

Segundo Aguiar (2007, p. 13):

Os aparelhos de rádio permaneciam, em geral, ligados o dia inteiro, transmitindo um mundo de fantasias onde riso, lágrima e emoção se alternavam ou se somavam ao sabor de uma programação variada, que incluía radionovelas, musicais, noticiosos e programas humorísticos, de auditório e de variedades.

 

As radionovelas eram um grande sucesso na programação da época. As pessoas se reuniam diante do rádio para ouvir as histórias interpretadas pelos chamados radioatores. Até meados da década de 1960, as radionovelas tinham seu glamour, com elenco fixo, escritores e sonoplastia. No entanto, com o crescimento da televisão, houve uma migração da verba publicitária para este meio, ocasionando o abandono do gênero das radionovelas da década de 1970.

Mesmo diante de algumas tentativas isoladas de reativá-la, a radionovela desapareceu e se adaptou à nova era das televisões com as conhecidas telenovelas.

Contudo, as narrativas orais seguem em transformação com o surgimento e a popularização de outros meios, como os digitais.

 

NARRATIVAS ORAIS DIGITAIS

 

A narrativa digital surge com as tecnologias digitais. Se incialmente era estava relacionada aos computadores, nos dias atuais está presente nos mais diversos meios digitais – como computadores, tablets, smartphones.

As narrativas digitais estabelecem um elo entre a antiga forma de narrar histórias com as tecnologias de informação e comunicação. Com a popularização do uso dessas tecnologias nos últimos anos, em especial os smartphones, as narrativas digitais estão presentes nas mais diversas informações da sociedade do conhecimento.

No cenário em que se insere a narrativa digital, encontramos o podcast, oriundo da web 2.0 e fruto da cultura digital. O podcast é uma forma de publicação de arquivos de áudio disponibilizados na internet, os quais podem ser acessados por meio de download de arquivo ou streaming on demand e always-on.

O podcast surgiu em 12 de abril 2004, quando foi divulgada pelo jornal Britânico “The Guardian”, artigo sobre a facilidade do usuário produzir seus próprios programas de rádio ao utilizar um Ipod, um software de áudio e um blog para publicação desses programas.

O vocábulo originou-se das palavras Broadcasting (radiodifusão) com iPod (dispositivo portátil que reproduz sons). Foi Adam Curry, ex-Vj da MTV, e Dave Winner, programador, com suas modificações referentes aos formatos dos áudios, que alteraram o processo de publicação dos audioblogs[1]. Anteriormente eram apenas pensamentos escritos, depois passaram a ser gravados e publicados através de arquivos em áudios. A intenção de Cury era disponibilizar seus programas de rádio para download no iTunes, para que o público acessasse o programa on-demand - baixando um arquivo de MP3 (LUIZ; ASSIS, 2009), haja vista que os podcasts são programas de áudio sob demanda, e o ouvinte pode escutá-los na hora que desejar.

A programação fica a cargo do podcaster, que, em geral, também é responsável pela produção dos episódios, bem como, dos conteúdos que serão abordados. Como no rádio, para a criação das narrativas do podcast é necessário o uso de recursos tecnológicos como o microfone, software específico para edição e gravação de áudio e um dispositivo digital (computador, smartphone, por exemplo) com acesso à Internet para publicação. Estando pronta, a narrativa, conhecida como episódio, é disponibilizada na internet para que os usuários acessem.   

Os episódios do podcast podem ser ouvidos de forma linear ou não, atendendo as necessidades de cada usuário. Com acesso direto às informações e conteúdos desejados, o ouvinte define seu tempo de uso, monta a própria programação ao escolher os episódios que deseja ouvir, diversificando, assim, as narrativas orais que irá acessar.

Em vista disso, o podcast pode ser considerado um tipo de narrativas orais, mas uma narrativa oral que também é digital, na qual narradores passam a contar histórias e publicá-las por meio de arquivos em áudios na Internet.

Atualmente, os episódios de podcast podem ser encontrados em plataformas de streaming de áudio como iTunes[2], Deezer[3] e Spotify[4], aplicativos específicos de podcast como Google Podcast[5] ou em sites que possuam este tipo de arquivo.

Ao desenvolver novas formas de narrativas sonoras, aqui apresentadas como narrativas digitais, o podcast reconfigurou o rádio, e em poucos anos transformou a indústria sonora mundial, reinventando o áudio e permitindo um contato mais íntimo com os ouvintes. Segundo McHugh (2020) há duas razões para isso:

Geralmente, as pessoas ouvem podcasts de maneira individual, muitas vezes, por meio de fones de ouvido, o que permite que os apresentadores falem com eles diretamente em seus ouvidos. Isso cria as condições perfeitas para uma ligação estreita entre o apresentador e o ouvinte. Ao contrário do rádio, em que os apresentadores lutam contra a tentação do ouvinte de mudar de estação apenas ao apertar um botão, o apresentador do podcast pode confiar que seu ouvinte quer ouvi-lo.

 

Somente no iTunes, pioneira plataforma desta natureza da empresa Apple, desde junho 2005, teve mais de 3 mil podcasts disponíveis gratuitamente em apenas 2 dias, com mais de 1 milhão de pessoas inscritas nos programas (Madsen, 2009, 1196). No ano de 2012, a Apple incorporou em seus smartphones, um aplicativo de podcast com sistema de biblioteca de áudio tornando o podcast popular entre os seus usuários. Com a criação, em 2014, do ‘Serial’[6], um podcast de jornalismo investigativo online com narrativa digital emocionante, o formato tornou-se um sucesso instantâneo, até fevereiro de 2015 teve mais de 73 milhões downloads, o que levou especialistas a declararem o momento como “A Era de Ouro dos Podcasts” de acordo com BLATTBERG (2015).

A popularização do podcast como uma narrativa digital tem maior domínio nos Estados Unidos. Os programas com maior download são em formato storytelling, técnica de produção e contação de histórias curtas ou seriadas. O storytelling é uma técnica bastante usada na área de marketing, baseada em modelo de relatos estruturados inspirados em experiências, objetivando informar, ensinar, sensibilizar, criar e manter boas práticas, contribuindo significativamente para a narrativa digital, formando uma atmosfera cativante ao ouvinte.

Percebe-se, contudo, que este cenário está mudando no Brasil. Em março de 2019, a Voxnest, empresa de tecnologia em áudio, relatou um crescimento significativo de ouvintes de podcast na América Latina, especialmente no Chile, Argentina e Peru, mostrando assim, o papel importante desta tecnologia como ferramenta de inclusão. No relatório State of The Podcast Universe, publicado no ano de 2020, também pela Voxnest, apresentou o Brasil liderando o ranking de criação de podcast no mundo, seguido pelo Reino Unido e Canadá.

Segundo a InfoMoney, os maiores canais de podcasts no Brasil são o “Nerdcast”, criado em 2016, com mais de 1 bilhão de downloads, “O Assunto”, com mais de 7 milhões de downloads, foi escolhido o melhor podcast de 2019. Além de podcasts de canais jornalísticos como a Folha de São Paulo, Globo News e CNN.

No ano de 2019 o IBOPE realizou pesquisa apontando cerca de 56 milhões de pessoas já terem ouvido um podcast e, mais de 31 milhões ouvem frequentemente. Os maiores consumidores são do sexo masculino e concentram-se no Sudeste do país, segundo Barbosa (2021) a audiência de podcast no Brasil registra um aumento de 33% no ano de 2020 devido a pandemia da Covid-19.

 

Neste sentido, entende-se que as formas de narrativas orais passam por transformações à medida que surgem outras mídias e, por conseguinte, surgem novos formatos para as narrativas orais

 

CONCLUSÃO

 Daí a importância de abordamos o tema das narrativas neste artigo, pois ela está presente em todas as etapas do indivíduo. Apresentar o podcast como uma mídia que compõe a evolução natural das narrativas, nos faz compreender que as tecnologias permitem que a sociedade esteja cada vez mais conectada e adepta as mudanças que presenciamos.

Assim, concluímos que as narrativas desde sua existência passam por uma série de modificações e com ela a redescoberta de meios sonoros como o podcast, aqui apresentado como uma narrativa digital, que serve como catalisador de narrativas informativas devido a especificidade de seus ouvintes, envolvidos com o objeto de escuta e com novas práticas de consumo.

 

REFERÊNCIAS

AGUIAR, Ronaldo Conde. Almanaque da Rádio Nacional. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2007.

BARTHES, Roland. A análise estrutural da narrativa. Seleção de ensaios da revista “Communications”. Rio de Janeiro: Editora Vozes Ltda.1976.

BLATTBERG, Eric. The second coming of podcasts, in 4 charts. Digiday, 9 mar. 2015. Disponível em: http://goo.gl/kOanvW. Acesso em 15 jun 2021.

BRIGGS, Asa. BURKE, Peter. Uma História Social da Mídia: de Gutemberg à Internet. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2004.

CERTEAU, Michel de. A Escrita da história/Michel de Certeau; tradução de Maria de Lourdes Menezes; revisão técnica Arno Vogel. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.

COUTINHO, Clara Pereira.; JUNIOR, João Batista Bottentuit. Blog e Wiki: Os futuros professores e as ferramentas da web 2.0. 2007. Disponível em: https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/7358/1/Com%20SIIE.pdf.  Acesso em: 17 fev 2021.

GIL, Antônio Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.

LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. São Paulo: Editora 34, 2010.  

LOURES, João Victor. Podcasts de Storytelling: A produção de narrativas históricas digitais para o ensino de história. 2018. 99 f.  Dissertação (mestrado profissional) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2018.

LUIZ, Lucio.; ASSIS, Pablo. O crescimento do podcast: origem e desenvolvimento de uma mídia da cibercultura. In: SIMPÓSIO ABCIBER, 3. 2009, São Paulo. 3o Simpósio Nacional de Pesquisadores em Cibercultura. São Paulo: ABCiber, 2009. Disponível em: http://www.academia.edu/5872782/O_crescimento_do_podcast_origem_e_desenvolvimen to_de_uma_m%C3%ADdia_da_cibercultura. Acesso em: 10 fev 2021.

MADSEN, Virginia. Voices­cast: a report on the new audiosphere of podcasting with specific insights for public broadcasting. ANZCA09 Communication, Creativity and Global Citizenship, Brisbane, 2009.

MCHUGH, Siobhan. Podcasts: o rádio reinventado, Disponível em: https://pt.unesco.org/courier/2020-1/podcasts-o-radio-reinventado. Acesso em: 08 fev 2021.

MEDITSCH, Eduardo. O rádio na era da informação: teoria e técnica do novo radiojornalismo. Florianópolis: Insular, 2001.

MONEYLAB. Os melhores podcasts do Brasil, maior produtor do mundo. InfoMoney. São Paulo, 2021. Disponível em:https://www.infomoney.com.br/negocios/os-melhores-podcasts-do-brasil-2021/. Acesso em 22 jun 2021.

ORTRIWANO, Gisela Swetlana. A informação no rádio: os grupos de poder e a determinação dos conteúdos. São Paulo: Summus, 1958.

PELLEGRINI, Tânia et al. Literatura, cinema e televisão. São Paulo: Editora Senac / Instituto Itaú Cultural, 2003.

TRINDADE, Rodrigo. Com gigantes por trás, 2019 é o novo "ano do podcast" no Brasil. UOL. São Paulo, 2019. Disponível em: https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2019/08/20/2019-e-o-ano-dos-podcasts-no-brasil.htm. Acesso em: 08 mar 2021.

 



[1] Tipo blog no qual o criador disponibiliza arquivos de áudio no formato MP3 e compartilha na internet para download, é semelhante a um blog escrito.

[2] iTunes - https://www.apple.com/br/itunes/


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